De todos aqueles dias
seguintes, só guardei três gostos na boca – de vodca, de lágrima e de café. O
de vodca, sem água nem limão ou suco de laranja, vodca pura, transparente, meio
viscosa, durante as noites em que chegava em casa e, sem Ana, sentava no sofá
para beber no último copo de cristal que sobrara de uma briga. O gosto de
lágrima chegava nas madrugadas, quando conseguia me arrastar da sala para o
quarto e me jogava na cama grande, sem Ana, cujos lençóis não troquei durante
muito tempo porque ainda guardavam o cheiro dela, e então me batia e gemia
arranhando as paredes com as unhas, abraçava os travesseiros como se fossem o
corpo dela, e chorava e chorava e chorava até dormir sonos de pedra sem sonhos.
O gosto de café sem açúcar acompanhava manhãs de ressaca e tardes na agência,
entre textos de publicidade e sustos a cada vez que o telefone tocava. Porque
no meio dos restos dos gostos de vodca, lágrima e café, entre as pontadas na
cabeça, o nojo na boca do estômago e os olhos inchados, principalmente às
sextas-feiras, pouco antes de desabarem sobre mim aqueles sábados e domingos
nunca mais com Ana, vinha a certeza de que, de repente, bem normal, alguém
diria telefone-para-você e do outro lado da linha aquela voz conhecida diria
sinto-falta-quero-voltar. Isso nunca aconteceu.
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